Por Miguel Angelo Vedana, diretor-executivo do novaCana e da BiodieselBR
Na semana passada, o MME abriu a consulta pública para as metas do RenovaBio. Descobriu-se, então, que a meta de redução de carbono não seria de apenas 7% como novaCana/BiodieselBR havia antecipado na semana anterior. A redução tinha um percentual mais razoável, de 10,1%.
Esse novo valor foi o resultado da alteração no percentual de uso de biodiesel. Antes, o governo considerava que até 2028 o Brasil teria B10 (10% de biodiesel no diesel) e, no novo documento, entendeu-se que o Brasil chegará em 2025 com B15, elevando a mistura de biodiesel em um porcento ao ano a partir de 2020.
Em um primeiro momento, pode parecer que essa foi uma vitória do setor de biodiesel, mas um olhar mais cuidadoso mostra que o benefício se estende para além deste setor. Como será colocado nos parágrafos abaixo, colocar o B15 nas metas do RenovaBio é um grande estímulo aos produtores de etanol.
Qualquer planejamento sério do setor de etanol para 2028 deve considerar um cenário onde a mistura obrigatória de biodiesel vai estar acima de 15% em 2028.
Como essa mudança aconteceu
O documento que trouxe a meta de redução 10,1% foi publicado no começo da noite do dia 4 de maio. Até então, todos falavam que a meta seria de 7%. O documento que trazia essa meta já havia sido noticiado. O que causou a mudança?
Ouvi algumas pessoas sobre o assunto e todas apontaram a mesma causa: Evandro Gussi. O deputado federal se reuniu tarde de sexta-feira com o Secretário-Executivo Márcio Félix, que na prática é o ministro de Minas e Energia, e apontou algumas razões para que a meta fosse ampliada. Uma delas é que o aumento da mistura para B15 ainda faria do país um importador líquido de diesel. Ou seja, o mercado interno da Petrobras para esse combustível estaria garantido.
O outro ponto apontado por Gussi foi político. Para um programa grandioso como o RenovaBio, ter uma meta de apenas um dígito era pouco, era pequeno. Dizer que o RenovaBio vai reduzir as emissões em 7% não tem o mesmo impacto psicológico que os 10,1% tem.
Outra informação importante que se tira dessa reunião é que o Deputado Evandro Gussi, autor do RenovaBio no congresso, não o abandou. Mostra que Gussi continua agindo para que o programa tenha todo o destaque e importância que ele pode e precisa ter.
Mais biodiesel = mais hidratado
Para entender a dinâmica entre os combustíveis e porque a previsão de B15 em 2024 beneficia muito o setor de etanol é preciso entender como a meta do RenovaBio funciona.
O governo estipulará uma meta de redução crescente de emissões de carbono, que, na prática será traduzida por CBios. Cada CBio equivalerá a uma tonelada de carbono.
A redução, de acordo com o atual modelo do RenovaBio, é atingida da seguinte forma:
Os CBios serão criados de acordo com os combustíveis vendidos. A ideia geral do programa é que, como as distribuidoras terão a obrigação de comprar CBios, elas terão antes que comprar os biocombustíveis para que os CBios sejam gerados. Como a meta de aquisição é crescente, haverá um aumento na demanda de biocombustíveis de um modo geral.
Só que não há espaço para todos os biocombustíveis crescerem. O etanol anidro é limitado a quantidade de gasolina vendida. O biodiesel tem seu percentual de mistura definido em lei e seu uso acima desse percentual é permitido em alguns casos, mas, atualmente, o volume vendido nessa categoria é irrisório.
O único combustível que tem livre comércio é o etanol hidratado. O maior limitante é seu preço. Quanto mais abaixo de 70% em relação ao preço da gasolina o hidratado estiver, maiores serão suas vendas. Mas, se o preço da gasolina não estiver elevado o suficiente (e/ou o açúcar for mais lucrativo), as usinas não conseguem preço competitivo nas bombas. A esperança do RenovaBio é que as distribuidoras coloquem os custos de aquisição dos CBios no preço da gasolina para que consigam vender mais etanol e, assim, estimularem a geração de mais CBios.
Essa grande vantagem do etanol hidratado tem um ponto fraco. Se a mistura obrigatória de biodiesel subir, é o hidratado que perde espaço. Vejam abaixo a distribuição das metas de CBio de acordo com cada um dos biocombustíveis constantes na proposta de metas em consulta pública.
O setor de biodiesel tem mostrado uma desenvoltura e organização na luta por seus pleitos que não se vê na maioria dos setores. Nos últimos anos, o setor conseguiu passar pelo congresso a lei que determinou o uso de B10 até março 2019 e já antecipou essa meta para 2018. E foram também os articulistas do setor de biodiesel que tiveram um papel importante para que o RenovaBio fosse aprovado no congresso em menos de um mês. Não foi por acaso que o presidente da Frente Parlamentar do Biodiesel encabeçou a tramitação no congresso. Conseguir o B15, que já está na lei como uma possibilidade, seria um desafio menor para os envolvidos.
Vejam como seria a participação do etanol hidratado se o B15 não tivesse sido colocado nas metas do RenovaBio:
O setor de etanol tem dois caminhos para seguir. Ou luta agora para a inclusão do B20 no RenovaBio e caso essa mistura não aconteça até 2028 é o etanol hidratado que ganhará espaço. Ou então já começa a se armar para lutar contra o setor de biodiesel a partir de 2024. Se essa segunda opção for escolhida, os dois lados sairão perdendo, um muito mais que o outro.