Há mais ou menos cinquenta anos, no início dos anos 60, apenas uma em cada três residências no Brasil estava ligada a uma rede de coleta de esgoto ou mesmo a uma rede de águas pluviais. Na mesma época, só 5% do esgoto produzido pelos então 71 milhões de brasileiros recebiam algum tipo de tratamento. Os outros 95% eram lançados in natura em rios como o Tietê e em baías como a da Guanabara.
Não dá para pensar nisso sem fazer cara de nojo. Tempos terríveis. Como alguém podia viver em lugares sujos como estes? O problema é que basta fazer uma conta simples para mostrar que a situação hoje, em pleno século XXI, pode ser ainda pior. Se 5% dos esgotos eram tratados em 1960, significa que 67 milhões de pessoas lançavam suas fezes nos cursos d`água. Atualmente, 37,5% dos esgotos são tratados, mas somos 201 milhões. Logo, 126 milhões de amigos, parentes, vizinhos, conhecidos e políticos estão, literalmente, cagando e andando para e nas nossas águas.
Ao longo deste período, em apenas dois momentos o tema foi tratado com um pouco mais de seriedade. O primeiro foi ao longo dos anos 70, em plena ditadura, quando foi lançado o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), que era gerido pelo antigo BNH (Banco Nacional de Habitação). Nessa época foram criadas empresas como a Cedae e a Sabesp. O segundo foi em 2004, com a aprovação da Lei de Saneamento, a criação do Ministério das Cidades e o início das obras do PAC. Entre 1980 e 2004 praticamente nada foi feito nessa área.
Apesar disso, no ritmo de hoje vamos precisar de mais 30 ou 40 anos para chegar perto de algo que possa ser chamado de civilização. Temos alguns bons exemplos de municípios que estão próximos da universalização do serviço, como Uberlândia, Jundiaí e Maringá, mas são exceções. A regra está mais para Nova Iguaçu, Caxias e São João do Meriti, cidades próximas que mantêm índices de tratamento semelhantes ao que tínhamos há cinquenta anos.
No Brasil, mais de 36 milhões de pessoas continuam sem ter acesso à água potável e pouco menos da metade da população possui acesso à coleta de esgotos. Por ano são registradas cerca de 350 mil internações provocadas pela diarreia, uma doença típica da falta de saneamento. São bilhões de reais desperdiçados em saúde pública, redução de produtividade dos trabalhadores e aprendizado escolar.
Uma pesquisa feita pelo Instituto Trata Brasil em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) procurou dar números reais a esse desperdício. E os resultados são impressionantes. A universalização dos serviços de água e esgoto poderia reduzir o número de faltas ao trabalho em 23% e os custos em R$ 258 milhões. A massa de salários poderia subir 6,1% ou R$ 105,5 bilhões. A valorização dos imóveis que hoje convivem com línguas negras poderia chegar a R$ 178 bilhões. Além dos benefícios tangíveis e intangíveis nas áreas de educação e turismo.
Considerando que o custo estimado da universalização dos serviços gira em torno de R$ 320 bilhões ao longo de 20 ou 30 anos, essa conta é mais do que favorável. Ou seja, não faz o menor sentido continuarmos marcando passo num item básico como este. Faltam recursos, capacitação e vontade política. Outro levantamento feito pelo Trata Brasil mostrou que das 100 maiores cidades do país, 66 fizeram parcialmente os seus Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB), instrumento que deveria definir as estratégias e diretrizes de cada município.
A Lei do Saneamento previa que estes planos estivem prontos até dezembro de 2010. O prazo foi prorrogado para o final de 2013 e agora, mais uma vez, para o início de 2016. Esse é um filme que já vimos várias vezes. A lei é boa, mas não é cumprida. E se ela não é cumprida, só resta à autoridade tomar uma atitude drástica: prorrogar o prazo. Com isso, os poucos que fizeram o dever de casa fazem papel de bobo e os demais continuam esperando um novo adiamento.
De acordo com a lei, os planos deveriam contemplar o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e a drenagem das águas pluviais. Além de prever a participação da população no processo e criar agências reguladoras. Apenas 12 cidades fizeram o serviço completo. E estamos falando dos 100 maiores municípios, no resto do país a situação é muito pior.
Não dá para negar que nos últimos 50 anos o país mudou. Somos maiores, mais ricos, mais populosos, mais democráticos, mais relevantes e até um pouco mais educados. Mas continuamos com problemas de países miseráveis. Precisamos mudar a agenda. E não são slogans como “Volta Lula”, “Fica Dilma”, “Vai Aécio” e “Se Mexe Eduardo” que vão nos tirar dessa situação.
Fonte: O Globo – Economia Verde – por Agostinho Vieira